sábado, 3 de setembro de 2011

Conversa de ônibus


A perfeita história de amor começa desastradamente, sem saber o que ela é de verdade. Ela tropeça, dá com a cara no chão, cambaleia até se firmar. O firmamento pode demorar instantes, dias, uma eternidade ou pode acabar sem saber o propósito da sua existência. Mas nada impede de outra história começar.
Numa terça-feira, lá pelas quatro e tantas da tarde, começou a chover. A expectativa de qualquer casal querendo passear no dia dos namorados foi à ruína, mas Bruno ficou ouvindo música no banco da rodoviária. Deixou a barba crescer por cinco dias e ela começava a coçar: O que detestava era ver seu bigode ralo, mais parecendo um busso, crescendo nos cantos da boca. Um boné para esconder os resquícios de entradas de um cabelo mal penteado e óculos escuros, devido à vermelhidão que impregnou em seus olhos depois de vários dias mal dormidos. Com um café reforçado preparado pela prima vinte anos mais velha que ele, uma tia-prima, conseguiu sair da cama no horário para apanhar o ônibus que o levaria até a cidade que morava. Ir para o interior nos feriados, sair e encontrar amigos os quais estudou junto antes da transferência de seu pai, pode não ser muita coisa, mas ele o fazia a tanto tempo que não lembrava da última vez que ficou em casa numa ocasião dessas.Comprar cordas novas para o violão, comer salaminho quando chegar e assistir a estréia do filme recomendado pelo jornal era tudo o que tinha planejado até então. Quando embarcou, a tranqüilidade desapareceu quando uma garota, talvez um pouco mais velha que ele, o cabelo claro preso por um rabicó, uma camisa azul que estampava a frase “Vou-me já. Onde é o banheiro?”, que por sinal estava com mancha de café do lado esquerdo da barriga, embarcou. Bruno se constrangeu só de olhar para ela, o que piorou mais tarde quando descobriu que a criatura sentar-se-ia ao seu lado, na poltrona vinte e oito.Rapidamente, ele fechou os olhos e fingiu estar dormindo - Boa tentativa, mas não conheço ninguém que durma tão profundamente quanto meu avô em tão pouco tempo. – Abrindo os olhos e esboçando o sorriso amarelo mais caprichado que pode, ele se vira e cumprimenta - Me desculpe por essa cena. Essas festas do feriado me deixaram muito cansado e conversas de ônibus foram criadas para durar a viajem inteira. Meu sono não esperaria três horas e meia. Queria descansar um pouco. Sou Bruno. E você é...?- Galatéia... Vou te poupar da história do meu nome. - Antes que Bruno pudesse erguer o rosto e cochichar “obrigado, pai eterno!”, a garota, que tinha o hábito irritante de gesticular tudo que saía pela matraca esticou seu braço até os óculos do rapaz - Que noite, hein? - Bruno percebeu que foi fisgado pela curiosidade, o sono revigorante foi adiado - O que? Meus olhos? É que venho pra cá... - Galatéia interrompe - Bem que achei que você tinha cara de forasteiro. É da capital? Ah, como eu sonho em um dia morar por lá, passear pelas ruas cheias de pessoas, me dissolver na multidão! Que diabos veio fazer nesse fim de mundo? Visitar parentes? - Afirmando com a cabeça, Bruno tira um comprimido para dor de cabeça de dentro da mochila e deixa de prestar atenção na moça quando percebe a chuva acabar. - Finalmente. A chuva acabou, o dia dos namorados começou. - Sua companhia sorri levemente e desprende o cabelo, ficando com as maçãs do rosto pouco rosadas. O rapaz sai do acento, indo ao final do ônibus, onde se costuma encontrar copinhos d'água. Encontrando um, coloca o comprimido na boca e retira o lacre do copo com a mão esquerda. Toma um gole e esfrega a mão na nuca, como sinal de canseira. Fecha os olhos por um instante e lembra ter afanado o colírio de sua prima e escondido no bolso esquerdo superior de sua mala.Voltando para o acento vinte e sete, antes que tivesse o cuidado de pegar a sua mochila sem esticar os cotovelos e assim machucar a garota, ele se depara que ela estava coma sua mochila no colo, estendendo-lhe o colírio, procurava algo - Tudo bem, eu deixo. - disse Bruno, ironicamente – O que está procurando? Galatéia... Aí ficam as minhas cuecas usadas! - Era a vez dele enrubescer o rosto e olhar para o chão. - Não foi a intenção. Estou atrás de fotos, recadinhos em pedaços de papel, roupa íntima feminina, qualquer prova do crime. - Crime?- Tenso, Bruno olha para a mala e, por um instante, ele se alegra por ela não ter visto o pacote de preservativos. - Sim. Algo que te ligue a uma garota, sei lá.- Não te entendo, mulher. Pra que saber se estou namorando?- Ela encosta a cabeça no ombro dele, esticando as pernas e bocejando - A resposta é tão óbvia, não é? Por que vocês, homens, têm de ouvir da minha boca? - Eu mal te conheço! - Ele percebe que falou alto demais e os outros passageiros demonstraram prestar atenção com um olhar seco nos olhos. - Digo, sei que você existe há quinze minutos atrás e você se oferece desse jeito? - Apesar de ter baixado o tom de voz, Bruno percebe que ofendeu a moça, antes mesmo dela ter tirado o rosto de seu ombro. - Talvez eu devesse ir para outro acento. - Ela levanta, esperando ser interrompida, o que não acontece. - Sim... É uma boa idéia. - Bruno diz enquanto fecha sua mochila.Vinte e três minutos exatos passam até que um dos dois esfrie a cabeça, e volte a puxar conversa. Bruno levante levemente e olha para trás, lá no fundo, no acento trinta e dois. Galatéia lia um livro de capa vermelho - sangue, com bordas grossas cor de vinho. Tomando coragem, ele chama - Quer vir aqui? - Silêncio - Quer vir? - Ela fecha o livro, morde os lábios inferiores e esboça um sorriso no canto da boca. - Viu? Sou eu que me ofereço no nosso primeiro encontro, mas é você que não dura meia hora sem mim. - Ela ri e o abraça. Bruno já havia tido outras mulheres, mas sentia um gosto diferente em tudo que partilhava com Galatéia. Isso, ele remoeu por uma hora, até compreender o que sentia. Ela era diferente. Espontânea, espontânea demais. Um pouco largada no mundo, como ela explicou, pois seus pais viviam viajando e quando estavam presentes não eram muito atenciosos. A conversa foi tão particular quanto uma conversa de ônibus costuma ser. Segredos e expectativas contadas, tudo dito quase sussurrado nos ouvidos.O tempo passou naquela viajem e ela cansou. Finalmente. Encostada no colo de Bruno, ela sussurra - Não vamos dar certo, né? - Bruno pensa, olha pela janela e imagina mil respostas - Acho que não. Mas eu te amei tanto nessa viajem! Quando ela acabar, tudo vai voltar a doer. Foi o amor mais intenso que tive em três horas e meia. Obrigado. - Ela levanta por instantes e pega sua mala, tirando dela um bom-bom. - Pra não falar que nunca te dei nada - Ela sorri, ele sorri, e por terem esgotado seus assuntos ou por falta de alternativas, não sei ao certo, um beijo acontece. - Me diga, menina da camisa azul: O que você viu em mim? - Só depois de terminar o chocolate ela responde: Eu.



Nota: O autor da postagem acima (muito boa por sinal) é o brother Pedro Henrique ( @gibidopedro) que irá enriquecer o conteúdo do blog com suas idéias também. E lembre-se, se tem algo que quer ver por aqui é só mandar para nosso e-mail blogdepoisdascurvas@gmail.com ou entre em contato com alguém do blog. 

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