domingo, 15 de maio de 2011

Moacyr Scliar – Parte V

 Centauro no Jardim – Moacyr Scliar



“[...] Moacyr Scliar constrói uma narrativa a um só tempo realista e fantástica, na qual o drama vivido pelo centauro-protagonista reflete, em última instância, a busca do ser humano por sua verdadeira natureza e a luta do sujeito moderno contra a alienação.”


Essa é apenas uma parte da sinopse dessa obra literária maravilhosa, criada pelo já (e infelizmente) falecido Moacyr Scliar. Confesso com vergonha, que não conhecia nada da obra do Scliar, que ele só se fez presente para mim quando foi noticiada a morte dele e mesmo assim meu interesse por sua obra foi despertado apenas quando assistindo a um bate papo com Luis Fernando Veríssimo, ele fala que foi amigo íntimo do Scliar. Acredito que muitos não conhecem seus livros, mesmo que muitos deles sejam mundialmente famosos. Quisera eu ter conhecido e buscado mais para poder aproveitar mais dele, quando ainda presente entre nós.
 

 
O centauro no Jardim é a trajetória de Guedali, centauro por natureza, sempre diferente. Mas a que isso nos remete? O que me fez gostar tanto desse livro ou mesmo me identificar com um personagem que é um centauro? A resposta para isso pode ser encontrada nas páginas onde podemos acompanhar a busca incessante de Guedali para as suas origens. Por que logo ele centauro? Por que Deus o havia castigado? Moacyr nos leva longe, embarcamos em uma viagem junto de Guedali, onde várias questões surgem, onde vários personagens se misturam para nos confundir, dar esperança e trazer mais inquietações.



“Tamanha repercussão deve-se sobretudo à originalidade e à riqueza literária da narrativa. Na região de colonização judaica no interior do Rio Grande do Sul, uma mulher dá à luz a um bebê-centauro. Guedali é criado em segredo pela família...”


É uma vida, uma vida inteira que é contada em 233 páginas. Scliar sabe misturar os ambientes, sabe criar bons personagens e mais que isso, faz com que esses personagens criem um vínculo com o leitor, faz com que o leitor se acostume a ele e quando menos espera estará pensando nas mudanças que estão ocorrendo com o personagem mesmo após ter fechado o livro. São livros assim que me fazem ficar ainda mais apaixonado pela leitura, livros que te transportam do local em que está para a dimensão que nele (o livro) está, para mundos distantes, para enormes campos e casas no interior do Brasil. Que te levam para junto de famílias que vivem da terra, famílias distantes desses nossos tempos modernos, mas com mais sabedoria em mantêr suas tradições que nós.


Guedali pequeno, centaurinho correndo pelos campos, descobrindo os segredos das terras, oculto pela família encontrava a amizade verdadeira nas irmãs. Fazia do quintal da fazenda em que vivia o mundo, Guedali violinista, Guedali sonhador e até mesmo com algumas tendências suicidas talvez. Guedali jovem e o amor pela leitura, a busca por respostas que nós fazemos também, Guedali e o primeiro amor e tantas aventuras que aos poucos vão quebrando a barreira e nos unindo cada vez mais ao centauro, nos familiarizando com os modos dele, nos angunstiando com as inquietações e até mesmo rindo com algumas situações.


Como um centauro pode refletir a busca do ser humano por sua verdadeira natureza? Guedali vai fundo em suas buscas, mostra nossa corrida insensata por descobrir nossas origens. Mas pra que tudo isso? Para que tentamos de forma desesperada descobrir nossas origens, de onde viemos? Isso justificaria o que nos tornamos hoje? Isso de algum modo justificaria o que temos feito com as pessoas a nossa volta, seja através de palavras ou de atitudes? Isso justificaria o quão mesquinhos, o quão egoístas nos tornamos? Se por um momento apenas parássemos de tentar descobrir o universo que existe e começássemos a viver, a apreciar tudo o que nos é dado de graça pelo universo talvez fossemos mais felizes, mas só talvez, porque a nossa ganância, nossa sede por poder, nossa compulsão em ser maior que o outro seja de alguma forma iria estragar esse momento raro de quietude e alegria, mas deixa tudo isso para outra hora, deixa que Guedali já seguiu em frente, já provou ser mais forte que nós e não desistiu de viver.


“Que a literatura seja como um barco, me levando por águas em que eu mesmo não poderia navegar.”


Esse livro cumpre bem o que a frase acima disse, como poderia eu criar um laço de amizade com um centauro? São mistérios, coisas que você só pode descobrir se deliciando com a leitura desse livro. Fazia tempos que ao final de um livro eu não ficava com vontade de levar um papo com um protagonista, ou mesmo com um escritor, o que infelizemente em ambos os casos não é possível.


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