sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O olhar pra trás

Respirei fundo e olhei a minha volta, calada, a procura de algo que compensasse todo o esforço que tive ultimamente. Não me lembro qual foi à última vez que tive tempo para tal regalia, mas lembro-me, de que quando eu era bem pequena gostava de fazer planos para o futuro, falava sobre as mil coisas que faria quando me tornar-se uma mulher adulta. Recordo-me bem, porém, por muito tempo me esqueci e aqui estou.


O quarto estava vazio, ouvia até mesmo a brisa movendo lentamente as pequenas tulipas que carinhosamente minha mãe plantara na jardineira logo abaixo a janela do meu quarto, ela assim fez pouco antes de morrer. Tentei sentir o cheiro delas em vão, relutante me movi alguns centímetros para o lado esquerdo. O vazio novamente me fez notar o que eu deixei de lado, entre tudo estavam os amigos. Por longos sete anos trabalhei incessantemente com expressão vaga, pensado que no futuro eu poderia me estabilizar e viver uma vida confortável, quem sabe viajar pelo mundo. Ria quando minha irmã menor dizia convicta: "Para que vou querer guardar dinheiro e viajar depois? Eu vou estar velha e não vou poder viver e andar por ai sem uma boa dor nos joelhos". Pensei a respeito e passou a fazer um pouco de sentido.
Apertei com força o pequeno ursinho que ela deixara comigo, pedindo que eu devolvesse apenas quando ficasse boa. Trabalhei por tanto tempo, abri mão de amores por trabalho, adiei a idéia de casamento e filhos para o futuro e agora eu não tinha futuro. "Doença maldita!" Pensei em voz alta, olhei através do vidro da janela e percebi que o dia se fechava. Eu queria que ele estivesse lá, ele fora meu único amigo durante todos os anos que vivi escravizada a uma promessa de vida melhor, fora companheiro em todos os momentos que precisei de seu apoio e compreensão, me entendeu e chorou comigo .
Apesar do pânico que sentia em ver que o céu escurecia de forma acelerada, estava claro como água que ele viria, ele sempre veio. Tentei não olhar para essa minha inimiga mortal a janela, já que ela causara esse pânico. Olhei então para o espelho que estava calculadamente localizado a frente da minha cama, lá estava uma mulher magra, talvez magra demais, de cabelos negros e olhos fundos. Parecia pálida, frágil, a pele branca não conseguia esconder as linhas azuis que eram desenhadas em todo seu corpo, essas veias tão destacadas pareciam pulsar. Ela estava totalmente quebrável e ela era eu. Tentei esquecer esse pequeno grande detalhe olhando minhas fotos de festas com amigos que estavam coladas em um mural na parede, em muitas delas sorria – mesmo que aquele sorriso não fosse sinônimo de felicidade, estava alegre. – e segurava uma taça de vinho ou um copo de cerveja, estranhamente a última delas fazia cerca de cinco anos. Era duro admitir, mas não aproveitei o tempo como deveria e nem teria a oportunidade de fazer o certo.
 O barulho do baque da porta fez com que eu saísse daquele poço de sentimentos que parecia me sugar para o fundo dele, mas Marcos me tiraria dele, ele me daria sua mão como sempre deu. Ele chegou afoito, jogando-se sobre os joelhos logo ao lado da minha cama, tombei um pouco a cabeça para o lado para que pudesse vê-lo melhor e me deparei com lágrimas. Tentei erguer a mão para afagar seu rosto mais a doença já começava a me acometer, pouco a pouco tirando minha vida sem compaixão. Eu sempre quis tê-lo, mais que amigo, eu o amava. Não pensava em dizer nada por puro medo, capricho, ou pelo fato de adiar tudo, tudo sempre era para mais tarde. Tomei coragem então, me certificando de que minha voz sairia enchi o peito de ar em uma nova respiração profunda, olhei em seus olhos que despejavam aquele líquido que queimava não só o seu rosto quanto o meu coração. Meus lábios tremeram, mas fui interrompida. "Eu te amo Pamela, preciso de você, por favor fique comigo". 
Ele roubara minhas palavras, meus olhos não desviavam aos dele apesar de estar perdendo os sentidos pouco a pouco. Não conseguia mais falar, não sentia minha boca, tudo que sentia era minha cabeça latejar e meu coração bater freneticamente. Admiti a derrota, começando a fechar os olhos, e então o amei pela última vez; Desesperadamente, Amargamente, Silenciosamente.

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Letícia - É do Rio de Janeiro, estudante e colabora com o blog eventualmente, mesmo não gostando do que escreve e achando sem sentido (mas nós discordamos disso). Pode ser encontrada no seu twitter - @leehboop 

Um comentário:

  1. Nossa que perfeito ... me fez rever meus conceitos de vida,obrigada a autora que me trouxe uma grande lição hoje. Beijos

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